“Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18b).

Ninguém consegue amar outra pessoa se não se amar primeiro, pode até conseguir amar durante um tempo, mas vai chegar uma hora em que cobrará por este amor, porque seu gesto de amor é imperfeito.

Precisamos sentir o amor para poder expressá-lo, ter contato com ele para poder exalá-lo, apreciá-lo para poder apresentá-lo. Por isso é preciso experimentar o perdão para poder conseguir perdoar alguém.

Há várias maneiras de se experimentar o perdão, uma delas é quando ofendemos alguém e esta pessoa nos perdoa, sentimo-nos amados e restaurados, fazemos a experiência da misericórdia de Deus através de outra pessoa. Outra é quando Deus nos perdoa, é a mais forte e sensacional experiência, pois Deus perdoa esquecendo o que fizemos e logo em seguida nos dá a oportunidade de recomeçarmos imediatamente.

Agora, uma outra maneira de experimentar o perdão, que não é tão fácil como os dois primeiros exemplos, é quando temos que perdoar a nós mesmos. Arrependermos dos erros é até fácil, mas recomeçar sabendo que ferimos, traímos, maculamos o sentimento de outra pessoa e principalmente quando esta pessoa é a que mais amamos ou temos grande consideração e gratidão não é tarefa fácil.

Numa outra situação, é muito difícil de nos perdoar depois de ter jogado fora tantas oportunidades boas, acabando por prejudicar a nossa própria vida, e não foi apenas um fato isolado, foi toda uma história. Como erguer a cabeça, recomeçar, esquecer tudo se as marcas das nossas atitudes e escolhas estão presentes em nosso dia-a-dia?

Para fazermos a experiência de perdoarmos a nós mesmos é necessário primeiro um passo muito importante, que é a aceitação da nossa realidade. Se eu não me aceitar como eu realmente sou, com minhas fraquezas, limitações e pecados vou ter muita dificuldade em me perdoar.

A aceitação de mim mesmo começa pelas minhas características físicas como cor da pele, estatura, cor dos olhos, tipo de cabelo e tudo mais. Se rejeito também, a minha família e meus parentes, não consigo me identificar, fico perdido porque eles são a referência para a minha história, e eu não posso rejeitar minhas raízes e origens, pois estou dispensando a minha própria história. E quando reprovo os meus sentimentos e comportamentos, não concordo com as minhas decisões e rejeito o meu modo de vida, como vou me perdoar?

Portanto, para perdoar a nós mesmos é necessário primeiro aceitar a mim mesmo e minha vida, caso contrário posso sofrer muito com a autoacusação e vou me distanciando cada vez mais da experiência do perdão.

Ao me aceitar como sou e minha história, posso assim entender que o erro faz parte do ser humano e que todos estão sujeitos a tomar decisões erradas, ofender pessoas e muito mais. Quando reconheço que sou passível ao erro e me aceito como ser humano imperfeito, passo a buscar o perdão, a reconciliação com as pessoas que ofendi e, o melhor, tenho a coragem de recomeçar.

É comum pessoas entrarem em depressão logo após cometer um erro, e por não se perdoar fica deprimido e não encontra forças para continuar com sua vida.

Como é importante aprendermos que com a experiência do amor de Deus alcançamos mais que uma oportunidade de recomeçar, mas a de ter os meus erros apagados. Poderíamos pensar que, “se Deus me perdoa apagando as minhas faltas, o que acontece com aqueles que eu prejudiquei?”

Se Deus é amor e justo, isso significa que o perdão se estende àqueles que prejudicamos, ou seja, a misericórdia alcança também os que sofreram com nossos erros. E também é correto ressarcimos os que nós prejudicamos, como por exemplo, pedir sinceras desculpas.

Resumindo, quando experimento o amor de Deus mergulho na Sua misericórdia e através deste caminho sou liberto dos sentimentos ruins e negativos em consequência dos meus erros. Ao ser perdoado por Deus não há mais motivos para eu não me perdoar e ficar me condenando. Seria muita arrogância querer ser melhor do que Deus, pois estando livre tenho forças para recomeçar e o grande presente que posso dar para Deus que me perdoou é o meu esforço para não cair mais, mas se caso eu fraquejar: “Deus aí está fiel e justo para perdoar os pecados e para nos purificar de toda iniquidade” (1Jo 1,9).

Um grave risco que corremos e que devemos estar atentos em não cometê-lo é o de fazer uso abusivo da misericórdia acreditando que Deus sempre vai nos perdoar e que não sofreremos consequências. Pois existem pessoas que sabendo que Deus sempre perdoa não se incomodam com seus comportamentos errados, acreditando que a misericórdia é maior que a justiça, pensando assim continua pecando acreditando que Deus sempre vai perdoar.

Do livro: “A chave para perdoar, o Amor de Deus” de Márcio Múrcia.